Autor: Ricardo Henriques / Ilustrador: Nicolau / Editora: Pato Lógico
“O que fazem as pessoas nos tempos livres?”, começa por perguntar uma menina que, ficamos a saber pouco depois, passa os dias à janela. Chama-se Graça e descreve assim as actividades dos seus pais: “A minha mãe passeia os cães dos velhinhos do bairro e o meu pai joga às cartas de fato de treino.”
E que faz ela? “Eu faço observação de pessoas.” Esta afirmação encima um plano, expressivo e esclarecedor, em que se vê a menina de costas, cotovelos no parapeito e cabeça apoiada na mão. Em frente, a vida na rua e nas casas, com muitas silhuetas a revelar o que se passa para lá das janelas transparentes.
Graça, que está numa quarentena forçada, mas… individual, fala-nos tranquilamente dos habitantes que já conhece e das suas profissões: uma hospedeira vaidosa (Miss Apertem os Cintos), “um músico mais ou menos famoso” (Roberto Raposa), um casal de advogados que tem “dois gémeos idênticos que choram em estéreo”, a Dona Camomila, que bebe chá, “dois jornalistas, um das palavras e outro dos retratos”.
Mas o que inquieta a menina é o vizinho novo. “No 1.º Direito mora um mistério. Deixei-o para o fim porque acabou de se mudar. Há uma semana que observo naquela janela um homem de ar sério, que passa os dias a olhar para o infinito.”
A sua imaginação fará com que acredite que planeia um assalto. Por isso muito se assustou quando viu a própria mãe dentro da casa do vizinho. Pouco antes, tinha concluído que o homem tinha uma arma.
In: Letra Pequena, blogue do jornal Público